quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Reflexão

Setembro amarelo, outubro rosa, novembro azul. Os laços nos convocam pra pensar o suicídio e o câncer. Nos convocam pra pensar a dor de existir. Vivida como  hemorragia no psíquico ou materializada no corpo, é 
a dor de existir.
A visão destes laços nos últimos dias, reforçou em mim uma constatação dolorosa.
Em 30 anos de trabalho - na clínica, nos vários grupos psicanalíticos aos quais pertenço ou na docência - tenho concluído em companhia de queridos colegas, que nunca antes nos deparamos com tantos sujeitos vivendo um nível de sofrimento que beira o insuportável.
A depressão, o pânico, as eclosões psicossomáticas graves, as psicoses brancas, os desatinos compulsivos...esta é a clínica contemporânea. Clínica dos excessos, clínica dos vazios. São crianças, jovens e adultos sofrendo como nunca havíamos visto.

E por que os laços selaram pra mim esta conclusão que já estava sendo gestada e compartilhada nos grupos de trabalho? Porque entendo que estas formas de sofrimento são, sobretudo, o resultado de rupturas de vários laços nos campos psíquico e social. Um não existe sem o outro.
Pois o  que mantém as pulsões ligadas e impede que elas sejam vividas nas suas mais dolorosas formas de expressão? Os laços.
O que mantém o psiquismo funcionando de modo a dar ao desejo a possibilidade de respirar? Os laços.
O que mantém a produção da cultura e consequentemente evita a barbárie? Os laços.
O esgarçamento dos laços psíquicos e sociais vão criando brechas. No campo psíquico estas brechas fazem brotar o que há de mais primitivo como expressão psicopatológica. No campo social, brota a barbárie da violência e/ou da alienação.
A religação destes laços só será possível com o enfrentamento deste estado de coisas e pra isso é preciso convocar a palavra, objeto tão caro à psicanálise, pra fazer parte deste enfrentamento, na clínica e na cultura.
Nossa tarefa é promover um trabalho de sutura lá onde os tecidos se esgarçaram. É bem verdade que paralelamente a este trabalho de sutura é necessário o desligamento de velhos vícios que tiram o fôlego e também conduzem às brutalidades.
Nossa tarefa não é fácil mas é possível. Os laços amarelos, rosas e azuis precisam sair das lapelas e dos perfis e se fazerem presentes também na labuta diária.
O mundo está precisando de gente que ainda acredita na palavra e faz uso dela como instrumento de transformação.

O lobo solitário de Las Vegas é o protótipo da brutalidade das mentes B 52, estas que desprovidas de qualquer afeto de compaixão, se dedicam a exterminar os semelhantes porque a experiência humana é vivida como horror. O aumento da intolerância e da violência em escala mundial nos convoca a pensar que necessitamos da palavra e não da força.

Não cabemos todos na Dinamarca ou na Islândia.
Aqui estamos e cabe aos que se importam com algo para além do si mesmo, trabalharem pra transformar o que hoje é puro deserto em um terreno onde se possa semear o que queremos deixar como alimento para os que virão.

Ainda que estejamos nos sentindo cansados, por vezes sem forças, é preciso trabalhar diariamente e este trabalho parte exatamente daquilo que nos falta.

Lembremos de Lacan falando sobre o amor:
"Amar é dar aquilo que não se tem. Dar o que se tem é a festa, não é o amor."
Ele situa o amor no campo da falta, portanto só a partir dela podemos amar.
Contra a tentação do imobilismo travestido de inocência, é preciso usar o amor como potência criativa.

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