POR: Fernanda Martins
Uma "Conexões Cabrália" mais minimalista para registrar pontualmente algo que aconteceu hoje.
Levamos
nossas atividades ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). Atendemos
14 pessoas em "reabilitação social" (afinal, quem está de fato inserido
na sociedade, né?), pessoas que de alguma forma manifestaram transtornos
nas suas relações sociais (e quem nunca...). Alguns são
depressivos, outros lutam contra o tabagismo, outros estão se
recuperando das drogas, outros simplesmente não se encaixam socialmente
(sabe-se lá qual é o padrão para isso, né?).
Pessoas bem próximas
a mim sabem o quanto isso mexe comigo, essa linha tênue entre sanidade e
insanidade. Lars Von Trier com seus filmes me persegue dia e noite.
Quando é que ultrapassamos o limite da loucura? Quais são eles afinal? O que me mantém sã? Será mesmo...
Enfim...
Diego, o enfermeiro local, disse que possivelmente alguns dos
pacientes não participariam da atividade. Lá eles têm muita liberdade
para decidir se querem ou não. E eis que todos eles participaram. Mesmo
que alguns tenham preferido apenas sentar e observar.
Uma moça quis ficar se olhando. Uitlizou a câmera frontal
do tablet para se observar. Com delicadeza, deveria procurar algum
traço de beleza, algum traço que pudesse inserí-la no que é socialmente
aceito (e imposto).
Outro gravou durante 1h (após eu ter gravado algumas
vezes e ter passado a bola, quando cansada, para ele) a mesma música.
Composta por ele, com letra, melodia e tudo mais que tem direito.
Infelizmente meus ouvidos não conseguiram compreender nenhum acorde ou
palavra.
Uma senhora chorava enquanto se declarava - durante a filmagem -
para os outros. Agradeceu dezenas de vezes nossa participação. Falava
em nome de Jesus e em nome do afeto. Essa é meio que a mãe de todos por lá.
Frequenta o CAPS para curar uma depressão que parece que não cura nunca.
Outra me pediu um tablet. Falei que não era meu. Mas as
palavras dela em seguida foram "o dia que você ganhar muito dinheiro vai
poder dar um para mim".
Diego,
Lili e outros da equipe que infelizmente minha memória não gravou, me
parecem daqueles times que você gostaria de participar. Dão conta da
comida, das atividades, das terapias ocupacionais, de tudo. São daqueles
que fazem mil coisas ao mesmo tempo e de tudo para dar conta do todo.
Novamente
a tecnologia do afeto entre em cena e apertar o botão "gravar" para um
homem de 30 e poucos anos tocar uma música que ele mesmo compôs - letra e
som - e sinceramente sem nenhuma coordenação, ritmo, coerência ou
melodia, mexeu muito comigo. Ele só precisava disso. De algo que
acompanhasse ele durante 1h tocando. Se não um ser humano, um aparelho.